Eu nunca gostei muito de acampamentos. Só me lembro de ter ido a dois ou três quando estava na escola. Que eu me lembre, era uma grande bagunça, com as crianças não parando quietas nenhum momento e havendo brincadeiras e atividades o tempo todo. A gente saía da escola de ônibus e desde lá, até o momento em que chegávamos de volta depois de uns três dias era barulho e bagunça o tempo todo. Nunca gostei muito disso. Acho que sempre fui muito mais quieto e tranquilo. Mesmo quando íamos para hotéis no fim de ano não gostava de andar com as outras crianças e monitores. Porém, aqui estou num acampamento de inverno russo. Aqui sim as diferenças culturais são extremas, tanto em relação a cultura e a língua, como ao próprio funcionamento do acampamento em si. Estou me sentindo um pouco um antropólogo entre os nativos: não falo a língua deles, não entendo o que fazem nem o porque o fazem. Na verdade, não sei ainda o porquê de eu estar aqui. Sei somente em parte: o Sasha, que é membro da Aiesec de São Petersburgo, porque estuda lá, é um dos coordenadores desse acampamento, pois é dessa cidade Kostroma, que fica as margens do rio Volga, mais ou menos perto de Moscou.
A viagem de trem até aqui foi tranquila, apesar de um pouco atrapalhada no início. Eu tinha dormido bastante no dia da viagem para poder aguentá-la bem. Não que o meu sono tenha sido bom, porque eu tive que trocar de cama com o menino que quebrou o pé. A cama em que ele estava não pode ser chamada de cama, porque é extremamente desconfortável para se dormir. Minha dor nas costas que tinha aliviado voltou pior ainda, sendo amplificada pela desconfortável “cama” do trem. Além disso, nessa noite, eu fiquei mais perto da janela, um ar frio ficou entrando a noite toda, criando um princípio de dor de garganta e tosse que continuam até hoje, apesar de eu já ter tomado remédio. O trem partiu as 5 e 27 da tarde, mas desde as 5 horas eu já estava na estação, com a Hao, a menina chinesa que veio para o acampamento comigo. Ela é bastante perdida, como a maioria das pessoas, e por isso, eu tive, mais uma vez, que resolver tudo sozinho. Eu não tinha as passagens, porque o Sasha, que havia as comprado, já estava em Kostroma. Ele havia dito que era só apresentar o passaporte na entrada do trem que poderíamos ocupar os nossos lugares. Parece fácil e talvez até seja, se você falar russo e estiver acostumado com os trens daqui. Tive que ligar para ele para descobrir qual era o número do vagão e depois de apresentar o passaporte para uma mulher ela nos falou os nossos lugares: 10 e 12. O nosso vagão era aberto, ou seja, não havia separações entre cabines, mas haviam alguns lugares para se sentar e algumas camas no alto. Demoramos para entender que as nossas camas eram no alto e que os lugares onde estávamos sentados seriam em algum momento as camas de outras pessoas. Depois de observarmos outras pessoas arrumando suas camas, fizemos o mesmo e logo fui me deitar, porque estava com sono, talvez pelo princípio de resfriado. Essa cama era muito desconfortável principalmente por ser muito apertada, tanto em comprimento (eu não cabia esticado) e em altura (que era menor que três palmos). Além disso, por ser no alto, não era muito fácil para eu sair de lá e me levantar por alguns momentos. Assim, devido às minhas dores nas costas a noite foi bastante desconfortável. O trem ficava parando diversas vezes no meio do nada não sei para que, mas ele acabou chegando no horário.
O Sasha estava nos esperando na estação junto com seu pai e sua namorada, Katya. Fomos conduzidos até a sua casa, onde a sua mãe nos esperava com uma refeição caprichada, com um borsch muito bom além de batatas, picles e uma carne de porco. De lá, o pai do Sasha levou a todos, eu, Hao, Sasha e Katya, para o acampamento que fica a cerca de uma hora da cidade. Estava uma neve muito forte, provavelmente a mais forte que eu já vi, e para sair com o carro era necessária uma grande preparação, que envolvia tirar a neve de cima do carro e dos vidros, além de descongelar os vidros por dentro, para dar para enxergar por fora. A temperatura era por volta de -15. Quando chegamos no acampamento logo o Sasha foi recebido com bastante carinho pelas crianças, já que conhecia muitas delas. Eu e a Hao estávamos um pouco perdidos, porque não sabíamos que fazer. Deixamos nossas malas na entrada e fomos todos almoçar (novamente). Quanto a comida aqui ela é razoavelmente boa, como uma comida de acampamento. São muitas refeições por dia, acho que cinco, porém as pessoas comem muito, mas muito rápido! Em menos de quinze minutos eles já sentaram, comeram o prato principal, a sobremesa, beberam o chá ou o suco e já limparam a mesa. Isso é muito estranho e não me parece muito saudável. O Sasha disse que é porque eles não tem tempo a perder, mas não entendo muito bem essa lógica. Depois disso, nos acomodamos nos nossos quartos e saímos para outra sala. Nunca sei o que vai acontecer em seguida e tudo são surpresas. Um homem, que eu não sei o nome ainda, apresentou para as crianças todas as pessoas que estavam trabalhando no acampamento e depois começou um tipo de uma aula/treinamento. Parecia muito aqueles treinamentos de RH de empresas, em que eles ficam tentando motivar os funcionários a perseguir os seus sonhos e tal. Não gosto muito disso, principalmente quando aplicado a crianças de 10 a 17 anos. Não entendo a lógica disso e nem a duração assustadora dessa conversa de mais de quatro horas. E o pior é que as crianças prestavam atenção até o limite do ser humano. Não dá pra ficar concentrado por tanto tempo e apesar de algumas pausas para lanches, isso é muito estranho. As crianças/adolescentes desse acampamento são muito certinhas, obedientes e não bagunceiras. Não consigo entender ainda o comportamento delas aqui. Parece que elas vieram para ter aulas porque agora de manhã começou outra sessão de falação, que eu não entendo nada, porque é em russo (só entendo quando alguém traduz). Agora a pouco perguntei para o Sasha em que eu poderia ser útil e ele me disse que talvez eu pudesse falar para as crianças sobre educação no Brasil. Perguntei o tempo e ele disse cerca de uma hora. Não sei muito bem o que vou falar, mas de qualquer modo tudo aqui, como tudo na Rússia em geral, parece desorganizado e feito às pressas. Vamos ver o que vai acontecer nos próximos dias.
De qualquer modo, teve uma festa de integração no fim do dia de ontem e ela foi divertida. As crianças tinham que apresentar alguma coisa que quisessem em um minuto, como cantar, dançar, ou responder algumas perguntas. O pessoal daqui perguntou se eu ou a Hao queríamos fazer algo e eu acabei aceitando tocar uma música para eles. Eu tenho algumas partituras no meu computador e eles tem um violão aqui, então tudo certo, apesar de fazer algum bom tempo em que eu não encosto no violão. Peguei a peça mis fácil que eu achasse ser razoável de apresentação, uma Spagnoleta, de autor desconhecido, que foi usada pelo Joaquin Rodrigo na Fantasia para un Gentilhombre. Até que não saiu tão mau por ser a primeira vista, mas poderia ser melhor. Achei que poderia ser um jeito de me aproximar das crianças e talvez tenha funcionado. (06 de janeiro pela tarde)
Bom, agora eu estou entendendo um pouco melhor o que se passa aqui. Trata-se de uma espécie de um business camp, em que as crianças vêm para desenvolver seus potenciais e aprender coisas novas. Essa apresentação de quatro horas foi uma introdução, nas qual crianças eram convidadas a pensar o que queriam para esse ano. Elas tinham que preencher uma ficha com isso e como fazer para atingir esses objetivos. Hoje a tarde quando eu não tinha muito o que fazer eu tentei fazer o mesmo, mas não é muito fácil. Não sei muito bem como planejar o meu ano de um modo tão esotérico como as crianças podem fazer e fazem. Entendi também que o principal objetivo do acampamento é participar de um jogo que dura todas as tardes, que envolve algumas simulações no computador e também algumas ações na vida real. Pelo que eu entendi, formam-se grupos que devem trabalhar como numa empresa, tendo que comprar suprimentos e matéria prima, produzir e vender alguns produtos. Parece um pouco com uma simulação que eu tive na faculdade chamado Macroeconomics, só que eu acho que a minha era um pouco mais complexa, obviamente, abrangendo mais conteúdos relacionados à teoria econômica. Nesse jogo, as crianças ficam andando de um lado para o outro planejando as suas ações e conversando com diversas pessoas. Eu e a Hao temos o papel de parceiros estrangeiros, que oferecem alguns produtos para serem comprados por eles. O importante da nosssa parte é que eles venham falar em inglês e barganhar com a gente, mas a demanda deles tem sido um pouco pequena, já que eles parecem um pouco tímidos em falar essa língua. Mas de qualquer modo, tem alguns deles, que apesar da pequena idade, falam um inglês muito bom e vem conversar com a gente às vezes.
De manhã, as crianças têm aulas ou conversas com os monitores sobre alguns temas que eles escolhem. Como eu havia dito, o Sasha havia me pedido para preparar uma apresentação sobre educação no Brasil, mas eu acho que eu fiz de um jeito sério de mais, porque quando apresentei, o debate ficou totalmente em outras perguntas, mais simples, porém talvez mais interessantes. Eles queriam saber sobre o Brasil, as tradições, as festas, a cultura. Eu tentei responder na medida do possível, mas não pude fazer algumas coisas como dançar samba ou capoeira. De qualquer modo, a integração foi bastante boa e eles até mostraram algumas brincadeiras russas e uma dança de natal, que, por sinal, é hoje aqui, mas não houve nenhuma celebração especial. Quando eu falei algumas palavras em português eles acharam muito engraçado e quando a Hao disse algumas em chinês mais ainda.
Ontem a noite, depois do jogo da tarde e da janta, teve uma atividade relacionada a super-heróis que foi divertida. Havia alguns grupos que deveriam preparar uma dança para ser apresentadas para os outros. E eu tive que participar disso, no grupo dos monitores. Coloquei um chapeuzinho de aviador e entrei na brincadeira, fazendo algumas coreografias que havíamos ensaiado alguns momentos antes. Deve ter sido bem engraçado para quem assistiu. Teve ainda algumas outras brincadeiras, como adivinhar o que acontecia em algumas situações absurdas que se projetavam no telão e que eu fui o responsável por tirar as fotos das mesmas. Foi legal, mas o melhor ainda viria. Depois da última refeição do dia, um iogurte com uma fruta, nesse caso, banana, foi a hora da brincadeira russa. Guerra de bola de neve! Eu não estava muito afim, porque minhas costas ainda doem e porque, como eu já disse, estou um pouco resfriado. Mas quando os meninos me chamaram: “Do you wanna play snowballs?”, eu não pude resistir, e tenho que admitir que foi bem divertido, mesmo quando os maiores usaram o russian style e me jogaram na neve, que deve ter mais de um metro. Depois disso eu estava todo molhado, cansado e fui direto para a cama, depois de conversar com algumas pessoas novas. Antes de dormir, eu tomei um Advil, pra ver se a minha dor nas costas melhoravam, mas não ajudou muito e ainda tive um efeito colateral que foi que eu não estava conseguindo respirar bem antes de dormir. Mas logo passou e eu dormi bem o resto da noite.
Não precisam se preocupar quanto a minha saúde, eu estou bem, mas precisando descansar um pouco. Estou dormindo bem todas as noites, mas minhas costas ainda does, talvez devido às mas condições do hostel, por isso estou pensando em, quando voltar para St. Petersburg, procurar um lugar melhor para ficar, mesmo que tenha que pagar e visitar um médico, já que tenho seguro para isso. Hoje vou tomar um Naldecon para dormir bem e acordar melhor desse resfriado que vem me incomodando.
A única coisa que eu ainda não entendo, ou acho muito estranho, são as refeições aqui. As pessoas comem muito rápido e pouco. Não sei como fazem isso. Deve ser bem ruim para a saúde. Em 30 minutos, nós saímos de um prédio, vamos até o outro andando pela neve, comemos, limpamos a mesa e voltamos. A comida não é ruim, mas acho que a alocação que eles fazem é muito ineficiente. As crianças comem com muita pressa, não comendo tudo o que está nos pratos, já montados quando entramos no refeitório, desperdiçando muita comida. Além disso, outras pessoas, como eu, poderiam comer um pouco mais do que a porção que eles oferecem. Não entendo esse sistema que prioriza a velocidade das refeições. Nisso, acho que meu estômago está sofrendo um choque cultural.
Às vezes é um pouco entediante aqui, porque são poucas pessoas que falam inglês, e elas estão sempre ocupadas, mas ainda bem que eu trouxe alguns livros que me fazem companhia, porque a Hao, que sempre me acompanha às vezes fica super entediada e bastante incômoda. Mas, de qualquer modo, melhor a companhia dela do que nenhuma. Tem um cara aqui, que é o instrutor das crianças que vive tentando falar comigo, mas ele não fala inglês, o que dificulta bastante as coisas, porque precisamos de um tradutor para conversarmos. São só mais dois dias aqui, depois voltamos para a cidade de Kostroma e no dia 11 devo estar de volta a St. Petersburg, a tempo de assistir o concerto do Nelson Freire lá, que será nesse dia (se eu conseguir ingressos).
Boa Noite ! Eduardo, pelo visto as costas suas não estão lhe ajudando... pela descrição das atividades neste seu acampamento deve ser algo semlhante ao Epretec daqui do Brasil, traduzido para crianças ou adolecentes, logicamente com algumas inserções locais...
ResponderExcluirO stress da comida tambem , deve fazer parte deste treinamento de comer rapido e voltar a tividade, pois em muitos programas de treinamento, eles fazem isso de modo a lhe stressar o maximo, para checar o nivel de respostas positivas depois de certo tempo, e ver quem suporta bem isso, na vida real isso pode acontecer muitas vezes, com administrador ou empresario, mas que a gente pode mudar quando se tem mais dominio das atividades e sabemos priorizar melhor as atividades aserem desenvolvidas e princiapalmente delegar afazeres a outros.
Aproveite aí sua estada e não queira achar justificativa para tudo o que eles fazem, que agente aqui faz de mameira diferente por que isso é de cultura para cultura as diferenças de atitudes.
abraços
luis yabase
Ola amor!! Hoje estou tirando um tempinho pra ler as suas novidades!! Vejamos se depois consigo postar no blog. Achei legal a sua narrativa sobre o winter camp!! Deve ser uma experiencia bacana! ^^
ResponderExcluirVou continuar lendo os outros!!
Bjos!